quarta-feira, 25 de junho de 2008

Inquietudes



Dedilhava os dedos esguios, onde o vermelho La boheme se destacava, ao ritmo da música que dava voz à noite. Era quase um sussurro… um apelo distante para que o seu corpo vibrasse. Estava sozinha, perdida num mar de desejos que a embriagava e lhe roubava a consciência do momento.
As horas tinham-se esquecido dela num canto do tempo que fugia veloz. Tornaram-se meses e destes anos nasceram sem que ela soltasse os seus sonhos nas esquinas da vida. Era um corpo no deserto, existência esquecida entre grãos de areia ardente.
Não se lembra quando é que elas chegaram. Talvez a sua presença fosse uma constante…adormecida, mas real.
Não se lembra da primeira vez que elas lhe roubaram o conteúdo do sono obrigando-a a sonhar acordada.
Não se lembra das gotas de chuva que caíram na sua pele banhada de um sonambulismo pálido.
Lembra-se apenas de ser invadida por um desassossego, de um alvoroço descontrolado a alastrar dentro de si, uma ansiedade sem medida a roubar-lhe a realidade ausente em que vivia!
Inquietudes que chegavam de mansinho, como a espuma das ondas que de madrugada beijavam a orla da praia.
Inquietudes que cresceram, ramificando entre o seu ser e o seu pensamento.
Inquietudes que comandaram os seus dias, vestindo de certezas ocultas os seus esquecidos quereres.
Nessa noite vestiu o seu sorriso de água cristalina adormecido no armário da amargura; salpicou o corpo desperto de um perfume condimentado por gotas de feitiços mil; rosas acetinadas, rubras e bravias desceram pelos seus seios em trajes de desejos; cintilavam no seu olhar brilhos felinos do (re)encontro.
Com a solidão a tiracolo, fechada na carteira dourada- toque final do seu desígnio, abraçou a frescura da noite antes da vontade esmorecer.
Partia sem destino, mas com vontade. Atenta aos sons, às cores, ao sabor da descoberta. Quando entrou no bar, onde os dedos dedilhavam na mesa, olhou para o espelho longo que pintava a parede e admirou-se com aquela desconhecida que a mirava com um olhar de gozo. Aos poucos conseguiu reconhecer-se vinda de um mundo há muito esquecido.
Gostou do que viu. Sentia em si, a chama de outros olhares.
Eram inquietudes, mas vestidas com um novo traje, com o longo traje da paixão!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Fala-me do silêncio


Fala-me do silêncio
Que percorre as paredes do quarto…
Dos murmúrios lambidos
Aos meus ouvidos…
Do perfume da tua pele
A falar aos meus sentidos!
Diz-me as palavras que adivinhas
Nos lábios que sugas.
Apaga as marcas da saudade
Com a tua língua no meu seio
Quebra o soluço na viagem
Que fazes dentro de mim…
Canta-me a música
Que tornaste minha!


Quero aproveitar para desejar a todos um bom fim-de-semana e agradecer ao Tó Zé do blog http://www.cagalhoum.blogspot.com/ o belo trabalho em audio do meu texto "Dança Primitiva"


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Oferecer-te todos os sentimentos



Queria estender as mãos e partilhar
O azul deste extenso mar.
Guardar nos farrapos da memória
O teu olhar no meu rosto.
Ouvir as palavras gastas
Sussurrada pela enésima vez.

Queria ter asas sem penas para roubar
Este horizonte que percorres.
Ser multidão no teu peito
Oferecer-te todos os sentimentos!
Apenas nuvem sem forma, nem luz
Pedaços partidos de mim!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Rota de especiarias


De canela se desenha a pele
Que te oferece o sol faminto
Cheiro de amor intenso
No suor cansado que nos cobre

Corpo em doce abandono
em rota de especiarias
Entre mares revoltos
Vindos do Oriente.

Aromas que se misturam
Na cânfora da memória…
…brilham nos olhos engelhados
estrelas de aniz.
…vestes de erva de fogo
Sorte em mãos de artemísia.
Fortes traços de malagueta
Em picantes sentires
Calores de um fogo diferente
Sentes nos braços quentes
abraço que afasta a solidão!

terça-feira, 3 de junho de 2008

Dança Primitiva






Quero que me sintas sem que eu te toque... as palavras em silêncio desassossegaram-no.
Não a tinha visto entrar e só nessa altura se apercebeu que ela trazia consigo a sua música preferida.
Sorriu ao seu olhar e admirou o negro em contraste com o alvo da sua pele.
Deixou-se preguiçosamente escorregar no sofá ao som das palavras que lhe colocavam brasas nas mãos suadas. Mais adivinhadas do que ditas provocavam-lhe um saboroso formigueiro no ouvido, que se estendia a todo o corpo.
A música enrolava-se na promessa que ela lhe fazia e pequenos sopros de um vento tardio de Verão eram como quentes beijos que ele tão bem conhecia.
Percebia agora o que ela lhe tinha dito...nunca tinha tido o seu tacto tão intenso, apesar de não o estar a usar. Adivinhava o toque que se desenhava na sua pele, o arrastar da língua nas veias salientes do seu pescoço, as palavras que ela colava ao seu ouvido ao som da música, o aroma embriagante que tão bem conhecia e que o enlouquecia. Pequenas gotas de suor ardiam-lhe na testa.
Olhou-a guloso e viu o seu corpo mover-se ao ritmo da música...as peças de roupa caíam lenta e suavemente no chão fresco...aquele sensual bailado desenhava formas que ele não imaginava existirem.
Mil e um dedos inexistentes percorriam-lhe o traçado do corpo elevando a sua excitação a um grau para além do suportável...
...a música aumentou de ritmo e ela aproximou-se como uma onda rebelde que o envolveu num remoinho de emoções.
Encontraram-se como se o sexo fosse uma dança primitiva que os seus corpos nunca esqueceram!